Quando tinha 18 anos, fui para Paris estudar francês e comprar uma
câmera fotográfica. Me inscrevi num curso da Aliança Francesa e meu pai pediu
para um amigo me indicar um bom equipamento. Era o Alécio de Andrade, um grande
fotógrafo brasileiro radicado em Paris há mais de trinta anos. Entramos numa
loja que parecia um brechó e Alécio escolheu o corpo de uma Nikon FM que estava
num canto e juntou com uma lente 50mm que encontrou em outro canto. Além de me
indicar o equipamento, Alécio estava incumbido a me “ensinar a fotografar”. Sentamos
num café. Ele me mostrou como colocar o filme na câmera e me disse que havia
apenas duas coisas a saber sobre o equipamento: a abertura do diafragma, que
regulava o tamanho do buraco no qual entrava a luz, e a velocidade do
obturador, que definia quanto tempo o negativo ficaria exposto à luz. O resto é olhar o mundo lá fora, ele
disse. A explicação deve ter durado uns dois minutos e meio.
Comprei meu primeiro
filme, um P&B de 36 poses, coloquei-o na câmera, e saí sozinha pelas ruas
de Paris para ver o mundo. Lembro da pulsação no meu peito e da respiração
ofegante a cada clique. Os quadros eram milimetricamente calculados e eu ficava
sempre esperando o momento preciso para apertar o disparador. Não sei quanto
tempo levei para calcular cada foto, mas a sensação é de que passei uns 15
minutos pensando e elaborando cada uma. Todo um mundo se abria para mim. Quando acabou o filme, fui num beco de Paris onde um jovem amigo francês costumava revelar suas fotos. Deixei minha pequena obra lá, que ficaria pronta dali a uns três dias. Ao voltar, fui recebida com a triste notícia: não havia uma única foto impressa no negativo, absolutamente nada tinha sido registrado. Meus olhos se encheram de lágrima.
Depois descobri que eu
tinha colocado o filme de forma errada na câmera, enrolando a ponta do negativo
em sentido anti-horário ao invés de inseri-la em sentido horário. Nunca mais
coloquei um filme errado numa câmera nem esqueci os ensinamentos de Alécio, de
que basta calcular a quantidade de luz que atinge o negativo e o resto é olhar
o mundo lá fora. Até hoje, com câmeras
digitais que vêm com um milhão de recursos, coloco a câmera no modo manual e
controlo apenas a abertura do diafragma e a velocidade do obturador, como se
estivesse usando a minha velha Nikon FM. Jamais esquecerei cada fotografia
daquele primeiro filme que cliquei em 1996.
A.C.R.
A.C.R.
Ana Costa Ribeiro é poeta e cineasta. Doutoranda em Arte e
Cultura Contemporânea pela UERJ, possui Master
of Fine Arts em Cinema pela San
Francisco State University e graduação em Comunicação Social pela UFRJ. Tem
atuado principalmente como roteirista, diretora e montadora. Seus filmes foram
exibidos em festivais no Brasil, na Holanda, na Alemanha, na Espanha e nos
Estados Unidos. Trabalha com as relações entre som, palavra e imagem, sobretudo
em busca de uma interação entre uma linguagem poética e uma linguagem
documental. Atualmente é professora do Ateliê da Imagem e da Escola de Cinema
Darcy Ribeiro.
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