Faz alguns meses começamos a recolher restos de
artes para compostar.
Joana e Caroline me deram fotos que mofaram.
Olhando as fotos, acho que o mofo é mais parte
linda.
Rodrigo me explica que usa um papel especial entre
a foto e o plástico bolha para que não mofem.
Ele me deu uma foto impressa para durar a vida
todas, mas que está arranhada.
O arranhão, me mostra, era esse e este outro eu
fiz para testar.
Leila me deu uma foto que seu gato arranhou.
Ícaro me deu caixas de madeira de uma instalação
que fez com caixas e fotos velhas e mofadas.
As fotos ele não me deu.
Leo me deu uma árvore recortada em compensado com
laser que quebrou no transporte antes da exposição. Ele me ajuda a quebrar o
compensado em 3 partes para caber no carro.
Pedro me deu todos os trabalhos de quando cursava
belas artes.
Ivo me deu bilhetes de loteria que não foram
usados em uma instalação.
Marilá, um kilo de letrinhas de acetato colorido.
Euclides, um saco com terra colorida.
Joana, três caixas de sabão em pó da marca POP
carimbadas e assinadas.
Marcone me deu um cavalete de palitos que diz que
fez para eu destruir.
Ana me deu dois azulejos pintados.
Nadam deu cerâmicas quebradas e desenhos que fez
durante um curso.
Domingos me deu uma tela que usava em uma
performance. Eram duas telas uma que ele guardava embalada e a outra amassada.
Ele me deu a amassada.
Joana me deu toda uma instalação com papel que
estava no colada na parede do Parque Lage. Eu mesmo arranquei os pedaços com um
a espátula.
Marco me deu 3 desenhos um dos anos 70, outros dos
anos 80 e um de 91 que fez na Itália. Dois ganhei porque estavam rasgados e um
porque ele achava ruim mesmo. Antes de me entregar assinou os 3 desenhos no
verso.
André me deu desenhos e testes para pinturas.
Mariana me deu desenhos seus e do namorado.
Inês me deu desenhos de uma época que segundo ela
já não estava mais dando.
Pedro me deu uma pintura sobre tela de uma série
erótica que ele nunca terminou.
Cecilia me deu um teste, uma monotipia de seu seio
sobre papel.
Do espólio de Márcia ganhei quatro bonecos
fantoches da chapeizinho vermelho em um cartaz como dois pênis de terços.
Jac me deu papeis transparentes impressos
amassados e amarrados.
Joana me deu longos tecidos xilogravados
André disse que não entendeu o que eu queria, me
ofereceu uma grande tela multicolorida que ficava na parede sobre a cama. Eu
disse que tinha de ser algo que eu pudesse destruir, então ele me entregou uma
tela pintada com uma camiseta colada.
Cristina me deu um conjunto de telas embalada em
fita zebrada.
Ana me deu três caixas, duas fitas VHS e uma
vazia.
Nadam me deu esculturas quebradas e desenhos que
fez em um curso.
Bia me deu cartazes que usou nas manifestações.
Leandra deu impressões de fotos de praias do rio
em preto e branco.
Daniel me deu um desenho em que se lê: hasta para
el error hay que haver limites.
Daniel, Helena, Pedro, Bia, Joana e Nadam me deram
obras de outros artistas que acharam que cabiam na composteira.
Juntei também algumas obras que eram distribuídas
como múltiplos em exposições no CCBB, no MAR e no IBEU.
Kadija me disse essa frase: composteira de
resíduas artísticos.
Jairo me perguntou que minhocas eu usaria.
Leo sugeriu de concretar tudo em uma lage.
Jorge disse que a compostagem teria de ser bruta
que não se poderia ter pena.
Bernardo, Nadam, Mariana Raphael e Domingos
sugeriram formas que a compostagem devia tomar.
Ana a Marina sugeriram colocar um cesto de lixo
como na campanha do agasalho nos corredores de escolas de arte recolhendo mais
resíduos de arte. Coloquei uma na UERJ e um no Parque Lage.
No cesto recebi colagens e desenhos anônimos.
Esta composteira se forma de obras frustradas, de
restos, de cacos. A arte não está na matéria.
A matéria recebe a arte, a incorpora. E uma vez
incorporada não é possível desincorporar.
A fratura e o mofo não tem o poder de fazer um
objeto decair de arte de volta ao plano das coisas comuns. Ao contrário, as
cicatrizes apenas reforçam a incorporação. O poder da arte talvez seja somente
positivo e nunca negativo. Talvez a expressão 'não é arte' não seja aplicável
ao passo que 'isto é arte' tem o peso de um decreto divino e irrevogável. Quem
foi rei, não perde a majestade. Não pode existir ex-arte.
Este amalgamado de tropeços reunidos na
composteira de arte são um testemunho de uma arte que escolheu a ruína e não a
ilusão da vida eterna.
Leo Liz , Inverno de 2013
participantes do projeto
Ana Costa Ribeiro
Ana Hupe
André Renaud
André Sheik
Beatriz Lemos
Bernardo Mosqueira
Bia Morgado
Caroline Valansi
Cecilia Cavalieri
C. L. Salvaro
Cristina Ribas
Domingos Guimareaens
Elvis Almenida
Euclides Terra
Helena Souto
Ícaro Lyra
Inês Nin
Ivo Godoy
Jac Ciano
Jairo dos Santos
Joana Cesar
Joana Lyra
Joana Taub Cseko
Jorge Soledar
Juca Amélio
Julia Cseko
Kadija de Paula
Laila Danziger
Leandra Lambert
Leo Ayres
Leo Liz
Marco Veloso
Marcia X
Marcone Moreira
Mariana Moyséis
Marilá Dardot
Marina Fraga
Nadam Guerra
Pedro Seiblitz
Pedro Victor Bandão
Raphael Fonseca
Rodrigo Braga
Tuan Pravaz Damasceno
e outros não identificados
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Nadam
Guerra nasceu no Rio de Janeiro em 1977. Sua
obra tem se materializado em textos, performances, ações,
instalações, vídeos, esculturas, jogos e encontros. Mantêm
trabalhos em parceria e alteregos compartilhados em formatos híbridos
incluindo humanogravura, chanchada conceitual, poesia paisagem,
cinema manual, teatro abstrato, escultura imaterial, pintura em
frequência variada e outros devaneios. Integra os coletivos Grupo
UM, Terra UNA e DESMAPAS.
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