Marina Fraga

Escrever um ideograma sobre a água: uma língua que não domino sobre uma superfície fugidia. Sumi (palavra para nanquim em japonês) foi uma investigação sobre um pigmento milenar e uma escrita construída partir de imagens. Durante o tempo que estive no Japão1, me atravessaram histórias, religiões, naturezas e artes - todos afetos extremos para a estrangeira que nunca deixei de ser. Comunicação e tradução denotavam um enorme esforço. “Vida profunda flui do nanquim” era o que diziam os quatro ideogramas que escolhi para o experimento. Encontrei alguns guias, que me ensinaram a escrever os símbolos de maneira correta. Havia uma ordem nos traços a ser seguida. Por um bom tempo acreditei que seria possível fazer com que os ideogramas durassem tempo suficiente na tensão superficial da água para permitir a leitura. Os resultados foram sempre desastrosos. Ao encostar o pincel na superfície, o ato de comunicar estava arruinado. Por fim, tive que aceitar que minha mão trêmula e todas as suas falhas eram imagens da minha própria inadequação. Tantas vezes me perguntei o porquê de nos colocarmos desafios como esse propositalmente. No dia da montagem, recebi, com surpresa, a notícia que não era possível ler a mensagem a partir da imagem, mas sim a partir do gesto. O gesto pescava ideogramas na memória daquele que olhava. Procurei a memória destes gestos e símbolos em mim, mas não encontrei. Precisaria tirar os pés do ocidente e “atravessar a grande água”2 – algo que nunca ocorreu. De fato, acho que permaneço até hoje no meio deste passo, vagando em alguma longitude imaginária, no meio do pacífico.

É possível visualizar o vídeo e a instalação Sumi nos links:

https://vimeo.com/17226117

https://vimeo.com/17312979 

1. Em 2007, residi 3 meses em Yamaguchi, no Japão, por ocasião da bolsa de residência artística do Akiyoshidai International Art Village (www.aiav.jp). Durante este período produzi a série Sumi, que consistiu em uma instalação, um vídeo e uma série de fotografias. Neste período também produzi fotografias e filmes super8mm que futuramente iriam integrar outro trabalho, chamado Meia-vida (série Carbono).
 
2. Referência à passagem recorrente do livro I Ching – O Livro das Mutações.

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